1x09 Selvagens

Eu era só mais um garoto que amava Beatles e Rolling Stones na época em que nos conhecemos. Na verdade, nunca nos conhecemos. Acho que eles nunca souberam da minha existência, mas, se souberam, hoje não se recordam mais de mim. Eu lembro deles. Lembro de cada detalhe: suas roupas, seus cabelos, as  motocicletas, as gírias, o cheiro de cigarro misturado com o de álcool na segunda de manhã.

Lembro também que vieram da Califórnia, mas eles, com certeza, não haviam passado pelo processo de Californificação. Não, eles estavam muito distantes disso. Naquele tempo, pareciam modelos saídos de propagandas de cigarros. Apesar da frequente cara de mau que ostentavam para os que não faziam parte do grupo, eram bonitos e eram bons. Não eram como baderneiros com quem eu sempre tive que conviver que achavam graça em destruir tudo e todos. Pelo contrário, por vezes os vi enfrentando os valentões para defender algum oprimido. "Você está bem?", os ouvia perguntar ao protegido pouco antes de tornarem a fechar a cara. Bom, eles tinham que manter a fama de mau. 

Certo dia, sentei na mesa ao lado da deles no restaurante da faculdade e escutei a conversa. Tommy e Gina, o casal, estavam meio receosos sobre o programa que planejavam para o fim de semana e Frankie tentava convencê-los a ir junto. 

- Ei, nós não vamos viver para sempre, então temos que viver enquanto estamos vivos! É agora ou nunca!

Falado isso a dupla concordou em acompanhar os amigos em mais uma aventura. Frankie tinha disso, sempre usava as palavras certas nos momentos certos e conseguia convencer a todos. Eu o admirava, pena que nunca pude lhe dizer isso. Mas quem sabe ele não está me ouvindo agora? Espero que sim. 

Ozzy era o último integrante do quarteto. Era chamado assim pela absurda semelhança com o Osbourne. Quando ele se atrevia a cantar no karaokê de um dos bares da redondeza, eu fechava os olhos e realmente imaginava que era o líder da Black Sabbath ali - em uma espelunca frequentada por estudantes  que não tinham nada no bolso além do maço de cigarros e o dinheiro para duas cervejas - quem entoava  "I tell you to enjoy life I wish I could but it's too late...". Seu nome verdadeiro era Benjamin e estudava Civilizações Antigas. Conheceu Frankie ainda criança e desde então não se separaram mais. 

Ozzy e Frankie eram do tipo de amigos que se não estavam juntos então algo de muito errado havia acontecido. Ou não. Às vezes um dos dois só estava em casa, de ressaca ou com um membro quebrado, se recuperando da última noitada. It's Rock'n'Roll, baby. Ao lado de Gina e Tommy, os dois desbravavam os limites da sanidade humana, se é que tais limites existiam para eles. 

Eu nunca tive muitos amigos, mas naqueles quatro eu encontrei o que eu chamava de meus amigos ocultos, porque eu escondia deles todo meu apreço por suas figuras, invejava seu estilo de vida e, acima de tudo, ansiava a amizade deles. Tentei me aproximar, travei diálogos mentais com cada um deles, mas na hora H eu não conseguia dizer uma palavra, eles me intimidavam. Mas como não ficar intimidado com aqueles caras? Eles não tinham medo de nada, bebiam, dançavam, cantavam, brigavam... Viviam. Então decidi ser como era, um homem solitário, e também vivi. 

A última vez que os vi juntos foi na formatura. Participaram da festa, confraternizaram com todos, receberam os diplomas e partiram. Partiram para o que seria a mais radical de suas aventuras: a vida adulta. Embora difícil, sei que esta etapa eles ultrapassaram com seus sorrisos estampados no rosto e o característico entusiasmo de viver. Ainda hoje lembro dos cabelos louros de Gina esvoaçantes bem logo a motocicleta de Tommy deu partida, seguidos por Ben e Frankie. Tento imaginar qual terá sido a primeira coisa que fizeram quando saíram do alcance da minha vista, provavelmente pararam em algum bar para beber e decidir o roteiro que seguiriam dali por diante.

Meus caros Frankie, Ozzy, Tommy e Gina, agora eu estou aqui, trabalhando nesta estação vagabunda de rádio (perdão, queridos ouvintes!) na esperança que, onde quer que vocês quatro estejam, possam me ouvir e, sobretudo, possam ouvir a trilha sonora que eu preparo diariamente para vocês, especialmente para vocês. E para vocês, especialmente para vocês, eu dedico a próxima música. Senhoras e senhores, Born To Be Wild!



Feliz Dia do Rock!

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