1x08 Instinto


Nome: X___________________X______________________X Nº: 5.327
Sexo: ( )F (x)M Idade: 27 anos Data de Nascimento: 12/04/1975
Procura espontânea: SIM
Motivo da Procura: Reincidência.
Data: 01/08/2002
Sessão: 1

- Podemos iniciar?
- Hm... É claro.

- Pode começar falando de quando tomou consciência de que havia um problema com você? – perguntou-me o homem careca, elegante e irritantemente paciente que enquanto me olhava, tenho certeza, fazia uma avaliação mental sobre minha postura, um pouco curvada naquele dia – eu estava um pouco sem jeito -, minha maneira de falar e meu comportamento. “Voz suave, calma, não aparentando nervosismo; os ombros, no entanto, estão curvados, demonstrando uma timidez iminente.”, poderia jurar que estava ouvindo seus pensamentos.

- Bom... – comecei – percebi que havia algo de errado bem cedo, aos 9, 10 anos de idade. Sempre gostei muito de ficar em casa jogando ou assistindo filmes, com muito sangue de preferência, coisas de garotos, você sabe. Nunca gostei tanto de sair para brincar como as outras crianças e acho que minha família, por ser de interior, estranhava um pouco meu comportamento. “Veja só o filho deles não saber subir em árvore nem jogar bola! Que esquisito.”, algumas crianças diziam e minha família, em silêncio, concordava que eu era retraído demais. Mas nunca interferiram, acreditavam que era apenas uma fase.

- E foi só uma fase?

- Hã... Em relação à timidez e a ausência de necessidade de me relacionar com as demais crianças, sim. Na adolescência fui para uma escola maior, fiz amigos e comecei a sair. Na verdade, saía mais por gostar de observar meus amigos do que pelo programa em si.

- Vouyerismo?

- O quê? Não, não. Nossa, não! Eu só gostava de observar. Ver suas reações e expressões em cada situação nova me animava para tentar adivinhar as próximas, entende? Era como se fosse um jogo só meu. É incrível como os rostos ficam relaxados e os sorrisos dementes quando eles estão chapados e impressionante como a expressão mudava de pura felicidade para o mais sincero terror quando eles se deparavam com seus boletins. Era cômico, para dizer a verdade.

- E quanto às suas notas?
- Nunca tive problemas.
- Namoradas?

- Nessa época só uma, Jess. Era um doce e possuía as expressões mais verdadeiras. Algumas reações um pouco exageradas para a ocasião, é verdade, mas mesmo assim verdadeiras. Ela era muito fiel ao que sentia e ao que pensava. Ah, e eu adorava seu cheiro. Namoramos por todo o colegial.

- Romperam devido à faculdade?
- Não, nós nunca rompemos.
- Você se refere a ela no passado.
- Bom...

"O paciente se sente mais à vontade. Refere-se à ex-namorada no passado, no entanto, afirma que nunca romperam. Um tanto estranho. Olha como se tentasse hipnotizar e, percebo, está avaliando minhas expressão e reação. Está jogando.”

- E teve outras namoradas depois da Jess?
- Sim, logo que entrei para a universidade, comecei a namorar uma garota que estudava Artes, Belle.
- E como era o namoro? Você gostava dela?
- Bem... Belle não era o tipo de garota com quem me casaria.
- Então porque namorar uma garota sem a intenção de casar?
- Diversão, prazer, companhia... Sei lá, gostava do seu cheiro enquanto dormia.
- Quanto tempo durou o namoro?
- 8, 9 meses... 10, talvez.
- E por que terminou?
- Não terminou.

“Ainda jogando.”

- Não é a primeira vez que você busca ajuda médica. Por que interrompeu o primeiro tratamento?
- Hm... A doutora tinha um cheiro muito familiar, era realmente agradável. Mas nós não éramos compatíveis.

“Começo a entender.”

- Como era a expressão da sua antiga médica quando...?
- Divina. Como a da Jess.
- Este é o seu segundo acompanhamento médico. Em ambas as vezes a procura por ajuda foi espontânea e você sabe que há algum problema. Mas, diga-me, como você se enxerga?
- Sou uma pessoa normal.
- Se você se considerasse normal não estaria aqui. Vamos, pode falar.
- Bom, doutor...

“Cinismo.”

-... eu me considero alguém normal. Por muitos anos, pensei que fosse diferente por causa de meus hábitos, realmente achei que fosse louco ou algum maníaco. Mas não, sou absolutamente normal. Hábitos não podem definir pessoas como pedófilas ou...

- A não ser que seu hábito seja passar horas em frente ao computador vendo pornografia infantil ou algo parecido, pode sim.

“Impaciência.”

- ... ou loucas. Ou qualquer coisa parecida. Existem pessoas que têm mania de colecionar selos com imagens de lhamas, são doentes mentais por isso?
- Não.
- E assim como elas, doutor, eu também não sou. - sorri. Deliciei-me com a elevação da temperatura em minhas mãos, olhei uma última vez para a personificação de minha arte e sai.

Sem rumo, meus pés, apoiados, acredito, por algumas memórias, levaram-me a um lugar conhecido. Uma rua estreita, mal pavimentada e com um punhado de casas velhas cuja pintura já estava descascando. Mas de onde eu conheço este lugar? Busquei em polvorosa todas as lembranças registradas em meu cérebro e soube: o homem da camisa azul. Enquanto passeava pela ruela, ia repassando na mente aquela manhã na qual me senti tão vivo como nunca me sentira antes. Nem mesmo com Jess - talvez porque ela tenha sido a primeira e eu era tão inexperiente... Continuei andando, repassando outra e outra vez o dia da camisa azul... A vida é tão simples e esse um ato tão natural. A sensação me lembra a de quando era presenteado com novos brinquedos durante a infância; de quando me apaixonei na adolescência. Se somos todos animais, por que a maioria ignora suas vontades e seus instintos? Existem aquelas pessoas que só vestem roupas de uma única cor. Têm as que precisam repetir certos movimentos determinado número de vezes. Há pessoas que gostam de brigadeiro... Eu gosto de matar.



Inspiração para a história:




Postado originalmente em 02/08/2012.

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